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sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Der Spiegel: Violência étnica e refugiados esquecidos ofuscam campanha eleitoral queniana


As últimas eleições no Quênia terminaram em caos e violência. Milhares morreram, centenas de milhares ficaram desabrigados. Eram pessoas como Grace Wambui, que hoje mora em um acampamento devastado e sem esperanças de um futuro melhor. Muitos temem que as próximas eleições possam trazer mais violência.

Uma barraca surrada longe de casa é tudo que resta para Grace Wambui, 52. É um abrigo entre dezenas de outros similares nas terras ruins perto do lago Elementaita, no Quênia. Os moradores do lugar chamam de terras ruins as terras baixas às margens do lago, que ninguém quer. A terra é dura e seca.

No momento, contudo, é a temporada das chuvas, e cai das nuvens  mais água do que o solo ralo consegue absorver. À noite, o nível de água no campo começa a subir, forçando Wambui e seus vivinhos a fugirem, como fizeram tantas vezes antes. Eles vão para a aldeia próxima de Kikopey e pedem ao pastor para passar a noite na igreja.

A comunidade de tendas escolheu Wambui como sua porta-voz, uma espécie de prefeita de um assentamento sem escola, polícia ou médico.  As pessoas que ficam doentes demais para andar são carregadas até a estrada próxima em sacas, e ali pegam uma condução para a próxima cidade, Gigil.

A pequena tenda de Wambui fornece abrigo para cerca de 50 pessoas, uma parcela dos 250 mil quenianos que estão atualmente refugiados em seu próprio país. Alguns fugiram da seca e da fome, mas Wambui e milhares como ela são refugiados políticos. Eles são vítimas da tragédia queniana que ocorreu há pouco menos de cinco anos, uma calamidade que pode se repetir nas próximas eleições.

No final de 2007, Wambui morava em uma favela na cidade de Eldoret, no noroeste do Quênia. O país estava em campanha para as eleições presidenciais, e Wambui, mãe de quatro filhos, era partidária ativa do presidente no cargo, Mwai Kibaki. Quando os votos foram contados, porém, houve rumores que Kibaki tinha vencido por força de fraude, e os vizinhos de Wambui a acusaram de ter agido errado. Não foi só isso que fizeram, contudo.    

Quenianos matam quenianos  
Wambui é da tribo Kikuyu, uma minoria na cidade de Edloret, que tem várias etnias. Durante a campanha, os líderes políticos das tribos Luo e Kalenjin tinham formado uma aliança de oposição ao presidente Kibaki e garantiram aos seus seguidores que seu futuro seria próspero caso seu candidato, Raila Odinga, vencesse. Os seguidores de Kibaki fizeram o mesmo – ao ponto que muitos começaram a ver as eleições como um ponto crucial para o futuro de sua tribo.

As profundas trincheiras ideológicas que resultaram forneceram o impulso para o massacre pós-eleição que chocou o mundo no início de 2008. Os quenianos mataram quenianos com facões e arcos e flechas, bandos de jovens cortaram as favelas incendiando os barracos e matando todos que viam pela frente. O país subitamente se viu à beira de uma guerra civil.

Somente após o secretário-geral da ONU, Kofi Annan, interceder, depois de um mês de violência, o líder da oposição, Odinga, concordou em se tornar primeiro-ministro sob o presidente Kibaki. Cerca de 1.200 pessoas já tinham perdido a vida e 600 mil estavam sem teto.

Wambui e sua família entenderam que tinham de fugir de casa quando viram os primeiros corpos destroçados nas ruas. Os rapazes eram as principais vítimas da orgia de violência, mas mulheres e crianças não estavam de forma alguma imunes. Algumas foram atacadas a pedras nas ruas ou tiveram membros cortados com facões. Outras apanharam até a morte.    

Ainda desalojados, anos depois     
Apesar dos Kikuyus serem minoria em Eldoret, eles eram numericamente superiores na vizinhança de Wambui – e tiraram proveito dessa vantagem. "Meu povo matou muitos Kalenjins", disse secamente. Houve vítimas em todos os lados.

Ainda assim, o fato que refugiados como Grace Wambui ainda não terem encontrado um novo lar, mais de quatro anos depois,  é um dos escândalos silenciosos no Quênia. Igualmente ruim é o fato de muitos assassinos no massacre nunca terem sido levados à justiça.

Algumas das tendas na pequena comunidade de Wambui, nas terras ruins do lago Elementaita, foram fortemente danificadas em uma tempestade de granizo em outubro. Hoje, debaixo das coberturas rasgadas, há apenas galinhas - seus antigos ocupantes se mudaram para a casa dos vizinhos.

Enquanto a chuva faz barulho na lona sobre sua cabeça, Wambui explica como sua pequena comunidade foi estabelecida. Ela e outros pegaram o pouco dinheiro que tinham e compraram o pequeno lote de terra dura que hoje habitam, assim como outros grupos de desalojados fizeram em todo o país. Mas eles enfrentam dificuldades significativas: oficialmente, eles não existem. O governo insiste que todas as vítimas da violência de 2007 e 2008 foram reassentadas ou voltaram para suas casas.  

Uma aliança ímpia  
Até hoje, ainda não está claro quem exatamente foi responsável pela expulsão dos moradores e pela violência étnica. Contudo, tanto os quenianos quanto Fatou Bensouda, promotora-chefe da CCI (Corte Criminal Internacional em Haia), concordam que parte da violência foi organizada.

Desta forma, a CCI admitiu uma acusação contra quatro indivíduos por agirem como cúmplices indiretos de homicídios, expulsões e perseguições. Para complicar as coisas, dois dos réus são candidatos nas próximas eleições presidenciais – e estão liderando a maior parte das pesquisas de opinião. Eles são Uhuru Kennyatta, um dos homens mais ricos do país e ministro das finanças até janeiro, e William Ruto, que também era membro do gabinete até ser derrubado por suspeita de corrupção.

No início de dezembro, os dois anunciaram que iam concorrer na mesma chapa, de forma que Kenyatta se tornaria presidente e Ruto seu vice. As acusações em Haia alegam que os dois contrataram bandos criminosos que saíram em campanhas assassinas pelas ruas. Quando a CCI abrir o inquérito contra os dois em abril, provavelmente estará acusando o presidente e o vice-presidente do Quênia.

A situação deixa muitos quenianos preocupados que seu país possa voltar ao caos quando as pessoas forem às urnas, em 90 dias. Além disso, houve relatos de ondas de violência pelo país. Em agosto, mais de 100 pessoas morreram durante um levante no distrito de Tana River. Três explosões de bombas na capital de Nairóbi mataram pelo menos 10 pessoas em quatro semanas e outro ataque contra a polícia, por ladrões de gado altamente armados em novembro, deixou dezenas de policiais mortos.  

Baixa inscrição de eleitores    
Todos esses conflitos têm pelo menos um componente étnico. Quando nove pessoas recentemente morreram em um ataque contra um ônibus atribuído à organização terrorista da Somália Al-Shabab, bandos de jovens caçaram somalianos pelas ruas de Nairóbi e roubaram suas lojas como vingança.

O país tem uma série de projetos contra a violência em áreas pobres, além de uma nova constituição e leis rígidas contra o incitamento étnico. Mas parece haver, entre a aliança de Kenyatta e Ruto e seu maior oponente, o primeiro-ministro Raila Odinga, uma volta à política movida por interesses étnicos.

A promotora-chefe do CCI, Bensouda, tem consciência de que poderá influenciar as próximas eleições, mas não deixou que isso afetasse seu trabalho, que é o de buscar justiça para as vítimas da expulsão e assassinato, disse ela em outubro em Nairóbi. Atendendo a um pedido especial em sua primeira visita ao Quênia, Bensouda visitou um campo de refugiados, um assentamento arrumado com refugiados registrados. Sua visita ao acampamento de Gigil, contudo, foi cancelado no último minuto por preocupações de segurança, segundo as autoridades.

Os quenianos podem se inscrever até meados de dezembro para as eleições de março, mas, até agora,  apenas 6 milhões de cerca de 22 milhões de eleitores, se inscreveram. E Grace Wambui, vai participar? "Não, eu não vou votar", disse a líder do acampamento. A mulher que fez campanha em 2007 está resignada.

Ela entende o braço em um gesto para o cenário cênico do vale do Rift. O sol brilha enquanto o vento passa pelas lonas plásticas no assentamento esfarrapado. "Eu votei", diz ela. "E dá para ver aonde isso me levou".

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