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segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Der Spiegel: Índia dribla patentes e torna remédios acessíveis


Dois atendentes uniformizados usando turbantes empurram a grande porta de madeira da Sala de Justiça número 5 no Supremo Tribunal da Índia, no coração de Nova Déli. Em seguida, o juiz de cabelos brancos Aftab Alam e seu colega igualmente elegante, de cabelos grisalhos, Ranjana Desai, tomam seus lugares. Em frente a eles, um exército de advogados de túnicas negras se prepara para a próxima rodada da disputa jurídica entre a Novartis, a gigante farmacêutica suíça, e o Estado indiano – e, é claro, a concorrência farmacêutica nacional.

Nos últimos seis anos, a Novartis tem lutado por uma patente para seu medicamento contra o câncer Glivec, aparecendo diante das autoridades indianas e tribunais inferiores. O medicamento já rendeu bilhões para a Novartis desde que foi aprovado em 2001.

Quase 40 países, incluindo a China e Rússia, reconhecem as patentes da companhia suíça, mas a Índia não. Ao defender sua posição, o Escritório de Patentes da Índia afirma que a droga não é uma verdadeira novidade, mas sim uma variação de uma droga existente. Organizações não-governamentais, tais como os Médicos sem Fronteiras (MSF), acusam a Novartis de tentar estender seu monopólio sobre o Glivec por mais 20 anos, fazendo pequenas alterações à droga. A emenda de 2005 à Lei de Patentes da Índia proíbe a prática conhecida nos círculos profissionais como "perenização".

Lucrando com imitação de medicamentos
Para o Supremo Tribunal na capital da Índia, o caso diz respeito a mais do que apenas um medicamento. E para outras empresas farmacêuticas multinacionais, a questão gira em torno do que eles podem ter patentear na Índia.

Por um lado, elas estão perseguindo o objetivo de capturar o enorme mercado do subcontinente, que está crescendo à medida que o 1,2 bilhão de habitantes lentamente se torna mais rico. Por outro lado, a própria indústria farmacêutica da Índia está se valendo das disputas de patentes dos seus concorrentes ocidentais para partir para a ofensiva com imitações mais baratas dos medicamentos, ou medicamentos genéricos.

O MSF já está alertando que o papel da Índia como a "farmácia para os pobres" estará em perigo se a Novartis ganhar o caso perante a Corte Suprema. Empresas indianas são conhecidos pela produção de medicamentos genéricos acessíveis que até as pessoas de grupos socioeconômicos mais baixos podem pagar. Na África, por exemplo, os genéricos indianos desempenham um papel importante na luta contra a epidemia de Aids. Mais de 80% de todos os pacientes com Aids tratados por organizações humanitárias como o MSF obtêm medicamentos de fábricas na Índia.

Nesta manhã, o advogado indiano da farmacêutica indiana Cipla está usando argumentos similares para conquistar a atenção dos juízes, que recebem tratamentos diferentes como "Vosso Senhorio" e "Vossa Senhoria", usando a linguagem dos antigos governantes coloniais da Índia. Ao mesmo tempo, os indianos também estão confiantes e conscientes de seu papel como um país que está alcançando o Ocidente em termos industriais.

Outras gigantes farmacêuticos ocidentais também estão argumentando nos tribunais para ter suas patentes reconhecidas no mercado indiano. A tarefa é tão desafiadora quanto enorme. À medida que a população indiana envelhece e se torna mais rica, a classe média, em particular, tem uma necessidade crescente de medicamentos para tratar as chamadas "doenças de estilo de vida", como diabetes e doenças cardíacas.

Bom para os pobres e para os lucros
O mercado farmacêutico indiano está crescendo 10% ao ano, e a Índia está entre os principais países do mundo em termos de volume de medicamentos vendidos. A firma de consultoria PricewaterhouseCoopers prevê que as vendas atingirão US$ 74 bilhões em 2020, ou cinco vezes o valor de vendas em 2011.

A espinha dorsal econômica do subcontinente não é constituída apenas de call centers e empresas de software, mas também de mais de 10 mil fabricantes de medicamentos. Os indianos estão capturando o mercado global com seus genéricos, à medida que constroem bases na Europa e nos Estados Unidos ou compram participações em empresas de lá.

Em troca, a Índia está fazendo o máximo para proteger as indústrias nacionais da concorrência estrangeira. As gigantes farmacêuticas Pfizer e Roche também perderam recentemente processos de patente que apresentaram na Índia. E, na primavera, o Escritório de Patentes da Índia obrigou a Bayer, a gigante farmacêutica alemã, a desistir de sua patente para o medicamento Nexavar contra o câncer, abrindo o caminho para a Natco, a concorrente indiana, produzir uma versão genérica.

Os indianos invocaram o Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual (TRIPS), no qual os países podem emitir licenças compulsórias para medicamentos se houver uma ameaça de emergência em saúde pública causada por coisas como epidemias.

Isso poderia ser visto como uma medida para proteger a indústria farmacêutica nacional – ou para expropriar a competição. Em todo caso, o governo indiano está usando o truque para reduzir massivamente os preços dos medicamentos como o Nexavar da Bayer. Alguém que usa o medicamento original paga US$ 5.200 dólares por mês, enquanto que usar o genérico indiano custará apenas US$ 160.

Mesmo isso é caro para os indianos, cuja renda média anual per capita é de apenas US$ 1.514. Além disso, há uma escassez de médicos e hospitais nas áreas rurais, e até mesmo em Nova Déli o sistema de saúde é incapaz de lidar com as multidões de pobres. Por exemplo, há aqueles que esperam em longas filas para se tratar no Safdarjang Hospital, o melhor hospital da capital. Muitos são forçados a acampar na beira da estrada poeirenta sob o calor intenso.

O “Robin Hood” da indústria farmacêutica
Os políticos são parcialmente responsáveis por estas condições. O Estado indiano gasta menos de 2% do PIB em seu sistema de saúde, ou bem menos do que outros países asiáticos. Mas a atual disputa farmacêutica tem menos a ver com as necessidades prementes dos pacientes do que com as patentes e lucros.

Dois homens – Yusuf Hamied, presidente da Cipla, e Ranjit Shahani, diretor da Novartis India Ltd. – ilustram as divisões entre os dois lados.

Os dois são indianos, e moram e trabalham a apenas alguns quarteirões de distância um do outro em Mumbai. No entanto, são adversários ferrenhos de mundos diferentes.

De cabelos brancos Hamied, 76, encontra-se conosco no andar executivo da sede da Cipla. Os funcionários estão comemorando um festival hindu no pátio exterior, onde criaram um altar colorido para orar pela segurança das máquinas e para o sucesso da empresa. Mas, mais do que qualquer coisa, eles estão animados com a dança.

A música pode ser ouvida do escritório de Hamied. Há fotografias em preto-e-branco de seu pai, o fundador da empresa, ao lado de Mahatma Gandhi, que visitou a companhia em 1935.

A família estava alinhada estreitamente com a luta pela independência da Índia dos britânicos, e Hamied sente uma obrigação de defender esta herança.

Ele acaba de voltar da Alemanha. Primeiro, esteve em Dresden, onde o seu melhor amigo, o maestro Zubin Mehta, deu um concerto. Então visitou Berlim, uma viagem que trouxe de volta memórias da cidade onde seus pais, um indiano muçulmano e uma mulher judia da Lituânia, conheceram-se. Em 1935, quando o regime nazista se tornou muito ameaçador para o seu gosto, eles deixaram Berlim e voltaram para Mumbai, onde fundaram a Cipla e onde Yusuf cresceu.

Desde então, a companhia se transformou numa gigante, mesmo entre os fabricantes de genéricos da Índia, com vendas anuais de cerca de US$ 1,4 bilhão e mais da metade dos seus medicamentos vendidos no exterior. Desde que Hamied desafiou as multinacionais farmacêuticas há 11 anos atrás com seu próprio coquetel de drogas para tratamento da Aids, que vendeu a preço de custo, muitos de seus colegas indianos o reverenciam como uma espécie de Robin Hood da indústria.

No início dos anos 1970, foi Hamied que convenceu a então primeira-ministra Indira Gandhi a quebrar o domínio das multinacionais farmacêuticas na Índia. Ela emitiu normas rígidas para alimentos e medicamentos, que não permitia a proteção de patentes.

A decisão de Gandhi marcou o início de uma era de ouro para empresas como a Cipla porque ela significava uma licença para copiar os medicamentos ocidentais. Os preços de medicamentos importantes caíram até 90%. Mas durante o curso de adesão da Índia à Organização Mundial do Comércio (OMC), em 2005, o país concordou em reconhecer a propriedade intelectual, inclusive as patentes de medicamentos.

Hamied logo aponta que é fundamentalmente a favor das patentes. "Afinal de contas, eu também sou um químico", disse. No entanto, ele está satisfeito com o fato de que a lei de 2005 inclui a seção 3d, que também desempenha um papel na disputa legal com a Novartis. A passagem proíbe a "perenização". Para Hamied, as patentes que são criadas para manter a proteção de patentes existentes, modificando ligeiramente as drogas, são "patentes frívolas."

Defensor da inovação
É claro, Ranjit Shahani vê as coisas de outra forma, mesmo que, como um executivo da Novartis, esteja claramente desempenhando o papel mais ingrato em seu próprio país. O homem de 65 anos nos encontrou em seu modesto escritório num prédio monótono de concreto. Ele começou sua carreira com antiga gigante química britânica ICI, antes de vir para a Novartis há 15 anos. Shahani também se vê como um patriota indiano. Ele pega um folheto mostrando pessoas sorridentes. Como parte de um programa, a Novartis oferece Glivec gratuito para a maior parte dos pacientes indianos.

Ele critica os "imitadores" como a Cipla por, no fim das contas, estar atrás de lucros para seus patrões. Ele também diz isso diretamente a Hamied, que acontece de ser um bom amigo. Ainda assim, Shahani não resiste em difamar seu concorrente por conta de sua cobertura de luxo na Regent Street, em Londres, e seu vinhedo na Espanha.

Shahani, por sua vez, diz que está preocupado com o futuro da Índia. O objetivo do primeiro-ministro Manmohan Singh de enveredar por uma "década de inovação", como disse a um grupo de cientistas no ano passado, é uma ilusão sem a proteção eficaz das patentes, diz Shahani. Quase com prazer, ele relata que sete empresas farmacêuticas multinacionais retiraram seus departamentos de Pesquisa e Desenvolvimento da Índia nos últimos anos. Desde então, membros da elite farmacêutica da Índia vêm conduzindo suas pesquisas em Basileia ou Nova York.

Shahani tampouco acredita que a Lei de Patentes indiana de 2005 garanta as patentes estrangeiras em seu país. "Mesmo se as empresas conseguem a patente de um medicamento, ela será violada", diz ele. "A única solução é ir ao tribunal, mas esses casos levam muito tempo."

A caça de patentes vulneráveis
Na esteira dos julgamentos, os fabricantes de genéricos indianos, incluindo a Natco Pharma, estão constantemente desafiando as multinacionais com novos produtos. A Natco, com cerca de 2 mil funcionários, é uma das menores empresas da Índia. Mas desde que recebeu a aprovação oficial para começar a produzir uma versão genérica do medicamento Nexavar, da Bayer, contra o câncer, na primavera, ela orgulhosamente se apresentou como titular da primeira "licença compulsória" da Índia.

A fábrica da empresa fica na periferia de Hyderabad, no centro-sul da Índia. Os prédios utilitários, de telhado reto, ficam no meio de uma área rural de plantações de arroz e cabras perdidas. No interior, no entanto, tudo é do mais moderno. Em salas livres de poeira, trabalhadores com máscaras e trajes especiais separam os comprimidos que saem de uma máquina. Eles ganham cerca de 15 mil rúpias por mês, ou cerca de 212 euros. Nem mesmo os chineses podem competir com salários tão baixos.

As pílulas são então embaladas para exportação. Uma delas é uma versão genérica do medicamento contra o câncer de mama conhecido como anastrozol. Os logotipos de vários fabricantes alemães para os quais a Natco trabalha são impressos nas embalagens. É claro, os pacientes alemães jamais suspeitariam que o conteúdo é realmente feito na Índia, diz o gerente Rami Reddy com um sorriso. Afinal, quem saberia que o número 164, em letras minúsculas, é o código de licença do fabricante indiano?

Natco vê seu futuro no campo das drogas contra o câncer. Seus executivos em Hyderabad estão constantemente à procura de medicamentos de multinacionais cujas patentes estão prestes a expirar ou têm pouca chance de serem reconhecidos na Índia. Mercados gigantes estão esperando no Ocidente, e é por isso que os chefes de empresas farmacêuticas indianas são relativamente indiferentes ao julgamento da Novartis diante do Supremo Tribunal.

Algumas semanas atrás, o juiz Alam encorajou-os ao criticar o preço do medicamento Glivec, contra o câncer, que custa 120 mil rúpias por mês. "Os preços dos remédios já são muito altos na Índia", murmurou, e depois aconselhou o advogado da Novartis a "vendê-lo a cinco rúpias!" Se ele fizesse isso, acrescentou, a Novartis poderia expulsar todos os seus concorrentes com um só golpe.

Os advogados dos grandes companhias farmacêuticas não se impressionaram.

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