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sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Até que ponto os cubanos são capitalistas?


O debate é complicado, pois os mesmos líderes que rejeitaram o capitalismo por tanto tempo hoje são os que encorajam as pessoas a experimentá-lo

Era apenas um pequeno letreiro, vermelho, redondo e iluminado como anúncio da pizza caseira, algo que ninguém estranharia em Nova York ou Roma. Mas em Havana? Era alguma coisa um tanto espantoso. Afinal, Cuba há décadas é dominada por uma ideologia totalmente anticapitalista, em que somente três coisas são divulgadas em cartazes, rádio ou TV: socialismo, nacionalismo, Fidel e Raúl Castro.

Aquele letreiro na frente de uma residência colonial decadente representava exatamente o contrário - marketing e a busca de lucro privado.

E o letreiro não estava simplesmente jogado ali. Ao contrário dos anúncios feitos em papelão que vi nesse mesmo bairro pobre quando visitei Cuba no ano passado, aquele letreiro custa dinheiro. Era um investimento. Um nítido sinal de que alguns novos empreendedores de Cuba, legalizados pelo governo há dois anos na tentativa desesperada para salvar a economia da ilha, começam a se adaptar à lógica da competição e do capitalismo.

Mas até que ponto os cubanos estão se tornando capitalistas? Estão aderindo ao que Friedrich Hayek descreveu como "sistema auto-organizado de cooperação voluntária", ou resistindo? "É uma combinação", diz Arturo López Levy, ex-analista do governo cubano e hoje professor na Universidade de Denver. "Quando um número cada vez maior de pessoas se torna mais proativo e mais dogmático, então os outros, gostando ou não, têm de fazer o mesmo. Têm de competir. Acho que é uma dinâmica."

Mudanças. De fato, como ocorreu no Iraque, Rússia, México e outros países que vivenciaram décadas de governo ditatorial que finalmente teve um fim, Cuba hoje é uma sociedade marcada por anos de abusos, dividida e insegura quanto ao seu futuro. As mudanças verificadas nos últimos anos - com a permissão do trabalho autônomo, mais liberdade para viajar e a possibilidade de comprar e vender um imóvel ou carro - foram notáveis e também extremamente limitadas. Assim, pequenas coisas como letreiros são tão importantes, pois todos estão preocupados com o novo momento e ninguém sabe ao certo se Cuba está a caminho do capitalismo, como The Economist afirmou na sua edição de março, ou se a ilha está destinada continuar sobrevivendo a duras penas, com um capitalismo refreado para alguns e a subsistência socialista para o restante.

O debate é ainda mais complicado porque os mesmos líderes que rejeitaram o capitalismo por tanto tempo hoje são os que tentam encorajar as pessoas a experimentá-lo. Raúl Castro foi notoriamente o mais leal comunista da revolução; agora, como presidente do país, é o maior incentivador das reformas com vistas a um livre mercado. De um lado, uma recente reunião do Partido Comunista Cubano no início deste ano incluiu uma sessão sobre como superar os preconceitos contra os novos empreendedores; de outro, Raúl Castro afirmou que "jamais permitirá o retorno do sistema capitalista".

"Eles são esquizofrênicos", diz Ted Henken, especialista em assuntos cubanos no Baruch College. "Dizem estar mudando, mas tratam essas coisas como dádivas e não direitos."

E, no entanto, é inegável que focos de um capitalismo controlado estão surgindo em Cuba. Em Havana, especialmente, as pequenas empresas estão por toda a parte. Setores de comércio urbanos, incluindo táxis e restaurantes estão se transformando com a chegada de novos participantes, que competem cada vez mais por clientes, mão de obra e produtos. Mesmo as tarefas mais elementares que costumavam ser administradas pelo Estado - como a compra de alimento - estão nas mãos de um sistema privado que estabelece seus próprios preços com base na lei da oferta e da procura.

Embora o grande impulso inicial tenha diminuído, alguns especialistas afirmam que a explosão do comércio mostrou até que ponto os cubanos sempre foram capitalistas. Das cerca de 350 mil pessoas autorizadas no final de 2011 a trabalhar autonomamente com base na nova legislação, 67% não tinham nenhuma filiação profissional - o que muito provavelmente significa que realizavam atividades clandestinas que depois foram legalizadas.

Confiança. Alguns dos mais bem-sucedidos empreendedores estão confiantes numa maior abertura de Cuba às ideias do livre mercado. Héctor Higuera Martínez, de 39 anos, proprietário do Le Chansonnier, um dos mais finos restaurantes de Havana (o pato é praticamente parisiense), diz que as autoridades "começam a perceber que há uma razão para apoiar as empresas privadas". Ele, por exemplo, deu trabalho às pessoas e traz para o país moeda forte dos estrangeiros, até mesmo americanos.

"Antes não tínhamos nada. Hoje temos uma oportunidade", afirmou. Ele tem feito tudo o que pode para aproveitar o máximo disso. Quando nos reunimos uma noite no seu restaurante, Hector já havia escrito várias páginas de notas e mapas explicando em que áreas o setor em que trabalha precisa crescer - com a criação de mercados atacadistas, meios de transporte aprimorados para os agricultores e o fim do embargo comercial americano e as mudanças no código tributário cubano. Numa cozinha montada de improviso, em que somente um dos três fornos funciona, ele parecia salivar ante a ideia de uma embalagem a vácuo para poder entregar suas refeições de modo mais eficiente.

Ele é um capitalista de verdade. Mas suas ideias serão adotadas um dia? Como todos os outros empreendedores, ele enfrenta restrições severas. Não pode contratar mais de 20 funcionários, por exemplo. Não tem acesso a empréstimos de bancos privados e o governo mostra-se pouco inclinado a permitir que pessoas como ele tenham um sucesso em grande escala.

Em vez disso, quando são bem-sucedidos, o governo fica inquieto. O governo Castro tenta manter um limite à inovação de outras maneiras também. Não permite que profissionais, como advogados e arquitetos, trabalhem por conta própria. E seus esforços em termos de repressão política têm se concentrado nos últimos anos nos jovens criativos que buscam espaço para se manifestar em público e online - como a blogueira Yoani Sánchez ou Antonio Rodiles, diretor de um projeto independente chamado Estado de Sats, preso no início de novembro e libertado na semana passada, após 18 dias na prisão.

Assim, no momento, o que Cuba tem é um capitalismo algemado: com um mercado competitivo excessivamente regulamentado para pequenas empresas familiares e sem prática de comércio. O que existe hoje em termos de liberdade econômica ajudou mais aqueles cuja maior ambição é fazer e vender pizza.

O que leva novamente à pergunta: Cuba realmente se dirige para um sistema capitalista ou não? Os céticos são muitos. "Em todos os lugares do mundo onde houve mudanças de fato, isso ocorreu porque o próprio regime permitiu algumas aberturas de peso e a porta foi se abrindo cada vez mais", disse o senador Robert Menendez, democrata de New Jersey. "É o que vem ocorrendo agora em Cuba."

Muitos cubanos mostram-se hesitantes quanto a um afrouxamento de um sistema confiável e resumem isso de modo jocoso: "Fingimos trabalhar e eles fingem que nos pagam". Os motoristas de táxi disseram a López Levi que estão trabalhando mais e ganhando menos por causa da maior concorrência. Um agricultor que encontrei num centro atacadista fora de Havana equiparou o capitalismo a preços mais altos e disse que o governo precisava intervir.

Mas na maior parte este é um grupo que envelhece e López Levy, que ainda tem amigos e parentes no governo, diz que mesmo entre os burocratas cubanos a mentalidade está mudando. Neste caso o capitalismo pode ser inevitável. Pois a cada empreendedor que o governo concede uma licença o país se torna menos socialista, menos excepcional, e cada vez menos rebeldes barbudos bradando contra os horrores do capitalismo ianque. Aos olhos de alguns cubanos isso já acabou.

"O governo perdeu a batalha ideológica", afirmou Óscar Espinosa Chefe, economista que foi preso em 2003 por criticar o governo. "A batalha por ideias foi a mais importante e eles perderam".

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